Chamam a isto vida…
Mas o que quer isto dizer?
Sinto-me um estranho, neste acto incompreensível. Não sei o que é a vida…
Não sei o que isto é…
- É ter dias entediantes do alvorecer ao anoitecer?
- Se é isso… foda-se, então tenho uma vida magnifica…!
- Se é não ter o mínimo de alegria dentro do corpo, e arrasta-lo penosamente pelo mundo… - Então também tenho uma vida completa!
- Se a vida é ver os sonhos ir… como viajantes sem rumo ou regresso… - Então eu vivo!
- Se viver é a inexistência absoluta de um sentido… -ENTÃO FODA-SE… eu vivo!
Sim eu também olho o céu, e ele é azul, e lá nele, brilha o sol… que brilha, para toda gente…
Mas o sol nada me diz, e o azul do céu é vão…
Sou a incompreensão em todo o seu magnífico esplendor, e farto-me de não compreender… e finjo que entendo.
Misturo-me na massa homogénea a que chamaram humanidade, e como ela… VIVO.
Vivo como ela, sem saber o que é a vida.
- Bem-vindos!
- Sejam bem-vindos, ao interior de minha loucura.
- Venham convidados meus…
Venham ver, o que se esconde por de traz disto tudo.
Não temam… a viagem pode ser inútil, mas não vai magoar ninguém.
- Comecemos!
- Por onde querem começar?
-Eu por mim, começava pelo fim…
Mas o fim, ainda não aconteceu, e não sei quanto tempo demorará, pode ser em breve, ou daqui a muitos anos…
Não sei…! Mas se houvesse um fim, era exactamente por aí que eu começava…
Não havendo fim, não sei… não percebo, a finalidade desta visita.
- Eu avisei que era inútil… tão inútil!
- Claro que sou inútil!
Para ti… para vós… para toda gente, para o mundo.
Mas ou menos sou alguma coisa com nome… (I-NÚ-TIL)
Não esmoreçam… até a inutilidade pode ter algo a dizer…
Mas não tenho nada a acrescentar… Hoje!
Hoje vou ser inútil, mais inútil do que é normal, vou ser o exemplo perfeito da inutilidade absoluta.
Se querem ser inúteis, sou um bom professor, (mestrado na ciência da inutilidade).
Foda-se, como se pode ser tão inútil?
Peço desculpa pela inútil visita, peçam o reembolso na bilheteira onde não pagaram o bilhete.
Já lá vai mais de um mês, que atraquei neste porto…
Aqui neste lugar onde o sol, é um astro morto.
É a minha primeira visita a este lugar enegrecido…
Mas sinto o conhecer, sem nunca ter conhecido.
O escuro horizonte que me enche o olhar,
É-me por de mais familiar.
Tenho-me perdido por digressões de amargura,
Me visto encurralado num definhar de negrura.
Neste porto desencantado onde naufraguei,
Me pesa o peso do que errei.
Fui aqui exilado, á força de meu sentir,
Agrilhoado sem se quer me brandir.
Depus minhas armas neste local,
Me deixei mutilar por este doer magistral.
Não há fuga…
Navios que me transportem além…
Olho o mundo, em meu redor…
Nada vejo! Estou cego dentro da cegueira.
Desconectado, absorto…
Osso estilhaçado de minha caveira.
Deambulo passivamente na escuridão,
Que tudo isto me projecta.
Amaldiçoada desconexão…
Que em meu corpo se dejecta.
Arremessado ao mundo, num dia sem luz…
Perdi, em tudo confiança.
Sigo na estrada, que a nada me conduz,
Me irrompendo em delírios de insegurança.
E no passo estrangulado de minha locomoção,
Piso, aniquilo… a consciência conexa de meu ser.
A destruo, oblitero-a, trocando-a por desconexão…
Escarnecendo um pouco mais o meu viver.
Me decompondo em vida…
Na rotina de ser fraco.
Entusiasmo suicida…
De um libertar opaco.
Acasos triunfais da natureza…
Dotados de inteligência…
Falta-nos a delicadeza
Para por termo á nossa intransigência.
Amontoados de células e cromossomas
Entes vivos de um capricho transcendental.
Somos na essência carcinomas,
Postos num efémero pedestal.
Dirigidos por nosso falso entendimento…
Por reacções moleculares.
Somos folhas ao vento…
Desprovidos de pensares.
Somos simples, e desinteressantes seres
Movidos por instintos rudimentares.
Matamos por prazeres…
Por causas vãs, mas particulares.
Defendemos ser a obra-mestra…
Da nossa conquistada natureza.
Mas a humanidade se orquestra
Para um ridículo final sem beleza.
E concebemos deuses e identidades divinais,
Para assistirem á nossa inútil vida, de plateia.
Para os culparmos do fim… dos finais,
E de nossa amargura e dor alheia.
Vejam a vida correndo desmedida,
Vejam os sonhos cair de descabida.
Vejam os viajantes tomarem nova ida…
Que eu do fosso nada vejo.
Invejo a sorte, de quem
Ao mundo a cores assiste.
-Não! – Não, invejo ninguém…
-Apenas quem não é triste.
E invejo… por não perceber…
Como, por que raios conseguem rir?
Positivistas, irrealistas não consigo entender.
Se dentro de mim vejo tudo a ruir.
Uma implosão que falhou…
Mergulhou-me no fosso.
O vazio quem em mim criou
Me dilacera até ao osso.
E este algo semelhante a um viver…
Não passa de uma ficção.
São passadas dadas a doer,
Nesta existência de consolo vão.
Sair do fosso… não quero…
Aqui, é tudo permanente e habitual.
Esperar? - Já nada espero…
O fosso se encarrega de ser brutal.
E juntamente aqui comigo, enterrei
Tudo o quanto eram sonhos, e visões…
No fosso comigo, o que errei
Guardei sem explicações.
E não me lancem cordas de salvação…
Abdico delas sem reconsiderar.
Antes o meu fosso e a podridão…
Do que um dia voltar a sonhar.
E no alvorecer da antiga alvorada,
Se ouvem os canhões, agora silenciosos.
No fosso meu, onde tudo é nada…
Não há momentos belos, só horrorosos.
E mergulho mais fundo…
Onde ninguém me possa chegar.
Perdi a esperança no mundo.
Sou abominável a teu a olhar.
Me resta o fosso e a ferida…
O fosso onde nada sou.
E a ferida, que dói desmedida.
O fragmento do que de mim sobrou.
Já não há dias bons. Ou dias maus…
São todos péssimos.
Massacrantes, nunca passando destes graus.
São o tédio irreversível onde me estou a afundar,
São lágrimas de meu choro, que afinco em chorar.
São as horas, e os minutos… e os segundos que me estão a matar…
São a puta devassa da vida que me teima, em tramar.
Dias que passam lentos,
Deliciados com meus suplícios.
Sem chama ou alentos…
Se regalam dos meus não-auspícios.
E vão passando lenta e dolorosamente
Por mim, sem mostrarem clemência…
São dias todos iguais, onde nada é diferente.
São o passar infernal do tempo por minha consciência.
Trucidam-me … espezinham-me …
Dias de inferno, dias de dor…
Onde me debato em vão…
Meus olhos mostram terror…
Minha “alma” se quebra no chão.
Corpos anónimos, amontoados…
De cal carregados.
Se encontram mascarados
Pela morte, que os levou embalados.
Descansam no conflito, de seu destino
No esforço vão… de seu desatino.
Na esperança que se evapora em seu olhar cristalino.
De um forçar as leis de um mundo clandestino.
São os corpos de ninguém… e de toda a gente.
São a luta vazia, e inclemente
Que os levou a um fado muito pouco sorridente…
A um atroz destino, de dor permanente.
Vidas e sonhos, deitados agora por terra
Derrubados por a mão que tudo encerra.
E tudo não foi mais, que uma vã guerra…
Onde tudo se perde, nada se ganha, e a vida erra…
Vala comum… lugar obscurecido
Pelas conquistas de quem tudo tem perdido.
Pelos anseios de um ser perdido.
Que contamina o chão, a que foi oferecido.