O frio corta
A luz da noite nada exorta,
Ergo-me. Saio… fecho a porta.
Olho o céu nocturno, cativante,
Tomba-se em mim o brilho estrelar de rompante.
E invejo a estrela que brilha menos, por ser tão brilhante…
Invejo-a por estar ali… tão distante.
Brilham todas, por cima de toda a tristeza
São servas da sua própria beleza,
Humildes centelhas de realeza,
Testemunhas de minha pobreza.
Neste acto supremo de divagar dentro de mim, de me fugir e de me encontrar, em todos os meus pensamentos e na consternação errática de minhas acções…
Veio esta súbita vontade de escrever e divagar, ou de divagar e depois escrever sobre a divagação feita.
Ladeado por estas paredes, que aturam tudo aquilo que sou…
Violando a folha pura e branca de papel reciclado, onde a ímpetos faço deslizar a caneta azul, que escreve a azul, e que á azul abre sem rodeios, (como serra craniana, bem aguçada) a minha cabeça, pondo a nu o que vai cá dentro…
-Desisto…!
-Não me vou envolver em mim mesmo, outra vez…
Basta de autoconhecimento, ou coisa parecida a isso…Basta…
- Hoje quero divagar, e escrever sobre…
- Sobre a humanidade?
- Não, nem pensar, estou farto de a insultar, de lhe tentar dar a minha razão, só que como é próprio da humanidade, ela é humana, e sendo humana, é teimosa e não gosta de ouvir críticas, ou concelhos… e de qualquer forma ia ter por aí uma parte de mim, aquela que se dá ao trabalho de ainda questionar a humanidade…
- Vou escrever sobre…
- Sobre o quê? Porra…
- Sobre a morte e a vida…?
- Não… agora essas duas é que não…
Uma é o fim da outra, e a outra é coisa nenhuma. E depois lamento-me de uma, não querendo obrigatoriamente a outra… Esqueço-me que estou vivo, sabendo que não estou morto…
- Sobre o que então? Sobre é que vai recair esta inspiração que não tenho, ou este jeito que também não possuo de escrever?
- O tempo que faz, sempre foi um bom desbloqueador de conversa, mas não… ninguém divaga ou escreve sobre o tempo que faz, e para além disso, tem de se sentir o tempo que faz, para se falar nele. E eu… agora aqui, semi-deitado no sofá, ao calor do aquecedor a óleo, que é movido a energia eléctrica, não sinto o tempo que faz lá fora… logo seria errado da minha parte, escrever sobre aquilo que não sinto.
- Tenho sempre a hipótese de escrever e divagar e sonhar e conceber mais sonhos ainda, sobre Ela, sobre a minha musa antiga, e por tudo o que sinto por Ela…
- Não… também não. Decidi não escrever os meus sentimentos neste texto, e não por nele, parte de mim, e se há parte de mim que não é minha é a parte de mim que é Dela. E tirando isso, tenho imensas saudades Dela, e isto, ia tornar-se num texto lamechas, e isso não quero…
Na possibilidade ínfima que Ela leia isto…
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- Veio agora a vontade de fumar…
-Sobre isso é que não… os cigarros e o fumo e o matar do fumo, já me deu para escrever muitas linhas, mas não é isso que pretendo agora…
- Vou fumar, pode ser que a divagação me leve a algum lado, e eu me esqueça de escrever sobre a divagação, e me perca para sempre em divagações, e acorde um dia, e tudo isto faça um mínimo de sentido.
E aí talvez as forças conjuntas do universo me digam sobre o que escrever e divagar, e divagar e escrever depois de divagação feita…
Todo o meu poema é triste.
Pode até ter ironia, mas é uma ironia triste.
Escrevi um dia um poema que não era triste.
Mas já lá vai tanto tempo, que não sei porque é que não era triste.
Parece-me agora, que foi á séculos que escrevi esse poema sem tristeza.
Foi um momento único, que nem percebo como, não tive em mim tristeza.
Eram tempos diferentes… segundos diferentes, mas no meio de tantos poemas é mau só ter um… sem tristeza.
Queria ver a beleza que dizem no mundo existir, e que dá braços á alegria… mas eu, sou tristeza.
Pois penso tristemente.
Escrevo ainda mais… e mais tristemente.
Vivo isto que para mim não é vida, tristemente.
E escrevo em vez de “fim” para finalizar este poema triste e carregado de tristeza… TRISTEMENTE.
O desinfectante corrosivo enche as narinas dos presentes…
Sobre a mesa de aço inoxidável, um corpo imóvel, já sem cor, descansa solenemente.
Tinha tido vida, numa outra vida, e agora somente a morte, nada mais que a forçosa morte, abraçava aquele corpo.
Como abutre faminto o médico legista lança-se sobre corpo, do fatalmente morto, o bisturi rasga a pele, até á carne… um olhar metódico analisa o corpo centímetro a centímetro.
Ainda ontem, aquele, que repousa agora para sempre, era homem comum…
Tinha sonhos como eu, tinha aspirações a um futuro como eu, ria, sofria, amava, odiava… como eu! E agora, nada…
Após análise, profunda, detalhada, minuciosa… para grande espanto do médico, não tinha sido encontrada qualquer causa para a morte de aquele ser…
A morte sempre teve causas, mas nunca razões, e esta nem causa tinha…
Debruçados sobre a última cama de qualquer ser, especulações germinadas eram lançadas ao ar, pelos homens de bata branca que ladeavam o cadáver.
Mas não havia causas para a morte daquele humano ali estendido.
Mas que interessa? Estava morto…
Ninguém sabia quem era…
O que fazia…
Para onde ia…
Não interessa, não importa.
A importância de um homem sem nome é nenhuma, o valor que teve ou deixo de ter em vida não interessa, não importa realmente nada.
Não somos mais que a insignificância absoluta, e a morte é a verdadeira, e derradeira prova disso mesmo.
O corpo do desconhecido foi amortalhado, posto com desdém no interior vácuo da câmara frigorifica…
Dois dias volvidos e não havia familiares, amigos, conhecidos ou desconhecidos vestidos de negro em volta do caixão, ninguém o chorava, ninguém, o lembrava…
Triste e insignificante vida humana.
Já há muito me convenci não ser merecedor da felicidade.
-É triste? – É mau? – Nada mais é que a verdade.
- Se me importo? – É tão impossível não me importar.
Mas antes a certeza da infelicidade do que um dia o sonho voltar.
Sou o refém do desgosto com um certo “ síndrome de Estocolmo” esbatido em mim.
-E se a vida me é tão pouco, ou quase nada, porque é que não lhe arranjo um outro fim?
Mas nesse ponto fulcral, entra a soberana característica do meu ser,
Sou um apático, dominado por uma apatia que tenho sem querer.
Sonho imenso… traço planos mais que magistrais…
Tudo isso sem sair do sofá e sem os tornar reais.
E não bastasse ser apático por natureza,
Sou também, prisioneiro perpétuo da tristeza.
Da perpétua tristeza que a meu lado caminha,
Nunca me deixando só, ou eu a ela sozinha.
Se enegrece o céu, a cada dia tristemente por mim passado.
Feliz de mim, de apatia e tristeza crivado…
O mais belo poema de amor…
Nunca foi escrito.
O mais belo poema de amor…
Foi sentido, pensado e nunca dito.
Todos os poemas de amor…
Nunca deviam ser escritos.
Todos os poemas de amor…
Pecam por não terem sido ditos.
Todos os que escrevem poemas de amor…
Fazem-no por o sentir.
Todos os que escrevem poemas de amor…
Fazem-no para fugir.
Também já eu escrevi poemas de amor…
E nunca, em nenhum deles usei tantas vezes a palavra amor.
Também já eu escrevi poemas de amor…
E a palavra que mais escrevi em todos eles, foi dor.
Ó minha, meu mais que tudo…
Agora só te vejo em minhas recordações,
Vejo-te, nos momentos que por mim passaram.
Eras o real da irrealidade de minhas ilusões,
E a beleza extrema que outros não narraram.
Ó minha, meu mais que tudo…
Estou neste momento a ser consumido
Pela saudade e pelo desespero de não te ver,
Nem mesmo quando caio adormecido
Meu cérebro para de invocar memorias de teu ser.
Ó minha, meu mais que tudo…
Eras luz…
És luz que ainda hoje me dá alento
És de todos os meus sonhos, o mais sonhado…
És a mais bela imagem do mundo exterior, que vejo cá dentro.
Quimera máxima de meu coração fragmentado.
Ó minha, meu mais que tudo…
Desmontei a razão, fiz dela coisa nenhuma
Tropecei em meus sonhos e desalentos.
E agora não há farol na bruma,
Ou forma de juntar meus fragmentos.
Ó minha, meu mais que tudo…
Na impossibilidade do impossível,
Faço da tristeza e desespero meu mundo.
Nada mais me é admissível,
Que este penar profundo.
Ó minha, meu mais que tudo…
Viro costas ao mundo, dele não quero saber…
Nem se gira, ou se para de girar…
Maldito destino que não queria ter…
Forma de vida que só me está a matar.
Agora ai sentado ou sentada lês e tentas decifrar meus “pseudo-poemas”, não te posso ajudar a desvendar os segredos que lá encerrei, mas a certeza podes ter, que todos eles são a “verdade”.
Nunca escrevi a mentira em meus versos, nunca falei do que não sinto, nunca perfumei de belos cheiros, o cheiro putrefacto que emana minha mente.
E é assim …
Sou muitas vezes cru nas palavras que escrevo, e nas ideias que nelas faço transparecer.
Nunca procurei agradar ninguém, nem sequer a mim mesmo, nesta confusão de ideias e ideais esbatidos, cinzelados nas palavras que fiz minhas, e depois, dei a meus sentimentos…
Pois são esses sentimentos… dos mais belos aos mais hediondos que dão os alicerces, as fundações, aos meus devaneios escritos.
Não tens de gostar de mim, nem do que lês… sinceramente, nunca isto de escrever teve essa importância para mim… nunca o fiz para mostrar alguma coisa… para esconder, talvez… mas isso é uma outra história.
Queria escrever mentiras, dizer que sou bom… que o mundo é belo… que tudo é azul e alegria… como eu, queria… escrever mentiras.
Queria escrever que sou forte, e que vejo beleza e uma razão para viver em tudo o que me rodeia… como eu queria escrever mentiras.
Se fosse fotógrafo, todas as minhas fotografias seriam a preto e branco, se fosse pintor todas as telas seriam pintadas a carvão, se fosse compositor, músico seria como Chopin, que criou a música que leva o caixão.
Mas como não sou nada… nem poeta, nem fotógrafo, nem pintor, nem compositor…
Me fico por dizer que o que escrevo, mesmo não sendo nada, é a “verdade”.
Anoiteceu para sempre, aqui, em meu coração.
A luz dourada, cintilante, deixou de aqui entrar.
E nada mais resta, que esta triste condição
De uma dor gigantesca que profana o ar.
Já nem considero isto, sentir saudades…
É mais um enforcamento, recorrente e diário.
Onde proliferam monstros e ruindades,
Num seguir fatal em sentido contrário.
Meu universo inteiro, não tem estrelas, ou alegrias.
Na minha cela imunda, escura onde definho,
Já nem a salvação vem em fantasias,
Ou a fuga nas palavras dos versos que alinho.
Não vejo janelas nem portas, em paredes de betão armado
Somente a persistência sentenciada na clausura.
Pensei dizer o certo, mas quando o disse, já esteva errado
Na imensidão do mundo, estou preso a uma prisão de amargura.
No relevo que a caneta esculpe, nestas paginas profanadas,
Com esta caligrafia mal amanhada, despojada de sentido,
Encerradas nestas paredes… e em meu ser encerradas.
Estão as ideias… e as desculpas de um ser caído.
Sou, fragmento de um puzzle… esquecido, desaparecido.
Sou, cão vadio…abandonado, perdido.
Sou, pau de fogueira… que não ardeu.
Sou, o soldado medricas… que se rendeu.
Sou, a imagem tremida… que sonhei ser.
Sou, o falhado… que nunca quis vencer.
Sou, monte de estrume… dedicado a decomposição.
Sou, a pedra não pisada… por aqueles que pisam o chão.
Sou, bala perdida… em batalha vencida.
Sou, falha humana… aceite, consentida.
Sou, barco encalhado… que encarde o mar.
Sou, o culpado… que querem ilibar.
Sou, a nódoa… que mancha a camisa imaculada.
Sou, a oportunidade flagrante…falhada.
Sou, de uma importância relativa.