Era noite tardia quando voltou.
Trazendo consigo uma ânsia descomunal.
Pelas mãos do homem pequeno brotou,
Tal qual raio que desce do céu em diagonal.
Senti-a em todo o meu ser…
E dei-me sem repulsa á sua vontade.
Ela é o que podeis aqui ler,
Nascida num impulso de insanidade.
Nem o nexo trouxe consigo,
Ou por palavras elegantes se fez acompanhar.
Simplesmente desceu comigo,
Ao fundo do fosso onde ninguém quer entrar.
Premiu botões, e mexeu alavancas,
Sem eu, o ter percebido…
De meu cofre abriu todas as trancas,
E agora escrevo possuído.
Regressou, ao partir de alguém,
A inspiração ou algo semelhante.
E agora escrevo nada, para ninguém,
Ao pulsar de uma luz pulsante.
Tu, que um dia foste mais do que eu.
Tu, que eras tu, e tão pouco de mim.
Parte viva de mim, que morreu,
Rastilho fumegante que ardeu em carmim.
Tu figura, focada no pensamento…
Tu que sentias e sofrias, chicoteando-te na poesia.
Tu que não fugias do sofrimento,
Fazendo da humanidade tua heresia.
Ser poeta, que te perdias em devaneios,
Escrevendo o que sentias e o que não tinhas.
Com a força dos poemas alheios
Transportavas tua alma em suas linhas.
Criatura peculiar,
Criadora de novas razões
Vias o mundo com outro olhar
No ímpeto vertiginoso de tuas paixões.
Não te sinto agora em meu interior,
E ficam as folhas brancas e a caneta a descansar.
Na espera pela inspiração de um ser inferior
Que lhes dê uso, e as ouse profanar.
Fome…
- Sim! Realmente, fome é o que sinto!
Ronca o estômago em manifestação
E a cabeça, parece mais que vazia.
E nada do que como me dá satisfação,
Sendo o nada que como me dar azia.
Devoro com os olhos, o prato á minha frente…
Mas com os olhos apenas! A boca permanece fechada.
Sempre um sabor fel, indiferente.
E a barriga e alma cheia de tanto nada.
Não fosse esta fome que me assola,
Esta recusa em comer
Que eu daria tudo como esmola,
A quem tem fome de viver.
O meu desejo,
Suplanta qualquer razão,
E quanto mais não te vejo
Mais me dou á inflamação.
Vagueio, inquieto, sem destino.
Com a alma empalada,
Habitando um corpo clandestino
Ao qual a vida foi tirada.
E queria por tudo, que isto fosse um lamento
Um acto de repulsa, e emancipação.
Mas se há coisa que não tento,
É escorraçar-te do meu coração.
Dite o destino, o que bem entender…
Venham dias de dor, e noites de sofrimento…
Venha tudo, e quem mais vier…
A isto nunca vou chamar arrependimento.